Entrevista Especial do Dr. Marcos Yau na REVISTA MEDICINA CHINESA BRASIL

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10/03/2016 - Publicado por Marcos

Entrevista Especial "Quatro Histórias na Medicina Chinesa" na REVISTA MEDICINA CHINESA BRASIL, 16ed, p.46-47.

Acesso online: https://issuu.com/ebramec/docs/mcb_16/1?e=4597362/15290836

Dr. Marcos Yau, acupunturista e fitoterapeuta chinês, qualificado como Doutor em Medicina Tradicional Chinesa e Doutor em Acupuntura pela World Federation of Acupuncture-Moxibustion Societies. De 2011 a 2015 fez residência clínica e cursos de aperfeiçoamento em vários hospitais, clínicas e instituições de Medicina Tradicional Chinesa na China.

 

  • Você poderia descrever de onde surgiu o seu interesse pela Medicina Chinesa e Acupuntura?

O meu interesse pela Medicina Chinesa, pela cultura e tradição chinesa começou quando eu ainda era muito pequeno. Meu pai, natural de Hong Kong, China, despertou o seu interesse em Medicina Tradicional Chinesa enquanto estudava em Pequim nos meados da década de 60. Naquela época, o meu avô estava muito doente, e portanto, parte da família decidiu mudar-se do sul da China para Pequim em busca do melhor tratamento para ele. Foi assim que, durante as visitas periódicas de um Mestre muito conceituado em MTC, que meu pai começou a aprender sobre Acupuntura e Tui-Na e depois não parou mais. Desde os 2 anos de idade, eu fiz muitas viagens à China, onde cada vez mais eu pude incorporar um pouco da tradição Chinesa. Eu cresci sempre ouvindo o meu pai falar pra todos os seus pacientes sobre dicas de saúde e Yang Sheng (ou Cultivo da Vida), e cresci em um ambiente onde conceitos e filosofias milenares eram empregadas no dia-a-dia.

 

  • Você já tinha formação em Acupuntura no Brasil. Como foi esta formação?

Antes de ir para a China eu já possuía o título de especialista em Acupuntura por um instituto de ensino no meu Estado. Eu já tinha decidido em estudar Acupuntura ainda durante a minha adolescência, por influência do meu pai e do meu irmão mais velho, que também estudou Acupuntura. Por ser jovem, eu não tive coragem de morar fora para estudar Medicina Tradicional Chinesa, sendo assim, optei por um curso de graduação na área da saúde e a especialização em Acupuntura aqui mesmo na minha cidade. A formação em Acupuntura aqui no Brasil me deu uma base para começar a compreender o universo de conhecimento da MTC, fui percebendo que, por mais que o curso de especialização aqui englobe os principais fundamentos da MTC, ainda havia muita coisa que eu só aprenderia com a vivência na China.

 

  • Quando surgiu este desejo de buscar na China o seu aprofundamento profissional?

Durante o curso de formação de Acupuntura aqui no Brasil, acabei me destacando na turma, talvez por possuir uma facilidade maior em compreender os conceitos e filosofias tradicionais Chinesas, que estavam presentes desde a minha infância. Tive grandes incentivos de alguns professores para buscar ainda mais aprofundamento em Acupuntura e Medicina Tradicional Chinesa. Minha família também sempre me incentivou e me deu suporte para as minhas decisões e, foi assim que, pesquisando por conta própria, decidi começar um curso de aperfeiçoamento em Acupuntura na China.

 

  • Poderia partilhar com nossos leitores como foi a sua primeira semana na China?

As primeiras semanas (ou meses) em um lugar diferente, longe da nossa “zona de conforto”, são sempre as mais difíceis. Ainda mais em um país do outro lado do mundo com tradições e culturas muito diferentes das nossas. O meu nível de mandarim era básico e com um vocabulário muito limitado quando cheguei na China. Foi a primeira vez que eu estava morando longe dos meus pais, e estava morando sozinho em um apartamento da família em Pequim localizado em um Hú Tòng (conjunto de casas tradicionais com ruas estreitas e becos emaranhados), onde tive que me virar para comprar produtos de limpeza, verduras ou temperos. Durante os primeiros dias, almoçar em restaurante estava fora de questão, pois eu estava morando em uma região onde os cardápios só estavam escritos em ideogramas chineses. Lembro-me de ter comido muitos macarrões instantâneos e comidas extremamente apimentadas, até conseguir reconhecer o ideograma  (picante).

 

  • Como é a vida de um brasileiro na China?

Por ter realizado viagens à China desde pequeno, o choque cultural não me atingiu muito. É claro que muitas coisas ainda eram estranhas pra mim (e continuam sendo), como por exemplo, a calça de menino toda descosturada entre as pernas, onde as nádegas e o órgão genital ficam expostos para facilitar que as necessidades fisiológicas da criança sejam aliviadas de forma rápida no momento em que ela sente vontade, podendo ser feito no meio da calçada ou na roda de um carro estacionado. É tudo questão cultural. Se um brasileiro que visita à China é mais flexível em relação aos seus hábitos e se adapta mais facilmente no ambiente, não haverá problema algum em morar em países com culturas e tradições diferentes.

 

  • Quais as principais dificuldades que você poderia destacar para nossos leitores?

A principal dificuldade pra mim foi em relação ao idioma. O mandarim não é uma língua fácil. Precisa de tempo, paciência e muito estudo. Por mais que meu pai seja chinês e que eu tenha viajado muito pra China, eu fui uma criança preguiçosa e não quis aprender o mandarim (e isso eu me arrependo muito de não ter estudado desde pequeno!). Mas vivendo na China, não há outra escolha a não ser aprender a língua. O ambiente favorece, mas ainda precisa do empenho de cada um. E depois que consegue falar o básico, a vivência fica muito mais fácil e muitas portas se abrem.

 

  • Mas também creio que não sejam apenas dificuldades, quais seriam as principais vantagens de se estudar na China?

A vivência na China é única! A experiência que se adquire lá não dá para ser comparada com outros lugares. A Medicina Tradicional Chinesa nasceu na China há milênios, e continua forte até os dias de hoje. É lá onde estão os melhores e mais conceituados hospitais, mestres e instituições de ensino de Medicina Tradicional Chinesa do mundo. É onde você vai inspirar e compreender a cultura, história e a tradição milenar. Lá, todos os chineses têm um certo grau de conhecimento sobre MTC, assim, nos hospitais podemos acompanhar do começo ao fim do tratamento, muitos casos e síndromes diferentes que não teríamos a oportunidade de ver em outros lugares. Os conceitos e filosofia da MTC estão sempre presente na vida dos chineses, e ainda podemos aprender direto com mestres ou lendas vivas da MTC.

 

  • Você poderia destacar um professor chinês que se destacou neste seu período de estudos na China?

Durante os 4 anos que passei na China estudando Medicina Tradicional Chinesa, passei por dezenas de hospitais e centros e fiz residência clínica com vários mestres de MTC. Eu tenho um carinho e admiração por todos os mestres com quem tive a oportunidade de aprender, porém, eu gostaria de destacar a Dra Zhou Yun Xian como minha mestre-modelo, a quem eu me espelho e me motivo em estudar mais e mais a MTC. A Dra Zhou é uma senhora com seus 75 anos que sempre está com uma feição serena e com um sorriso no rosto. Ela foi o braço direito do renomado mestre Cheng Xin Nong, acompanhando-o em suas viagens pela Suíça, Alemanha, Suécia, Holanda, Chile, Índia, Croácia, Eslovênia e muitos outros países para disseminar o conhecimento de MTC pelo mundo. Além de MTC, ela também se graduou em Medicina Ocidental, foi autora de muitos livros e artigos, e há mais de 40 anos leciona aulas pelo China Academy of Chinese Medical Sciences. Mesmo com idade para se aposentar há muitos anos atrás, a Dra Zhou continua, por amor à MTC, tratando seus pacientes e ensinando muitos alunos chineses e estrangeiros. Além da técnica e conhecimentos extraordinários que possui, o que sempre me faz lembrar dela é a sua humildade, paciência, dedicação e respeito para cada paciente.

 

  • Durante a sua estada na China, quais foram as cidades em que passou ou que representam mais o estilo de aprendizado de adquiriu na China?

Eu passei por muitas cidades, do Norte ao Sul da China, porém eu foquei mais meus estudos em institutos e hospitais de MTC em Pequim. Eu procurei mestres de MTC que tratavam os pacientes de forma mais tradicional, com acupuntura sistêmica e diagnóstico de pulso / língua em todas as sessões. Aprendi técnicas diferentes e até pontos secretos passados de geração para geração. Fico muito feliz de ter estudado Fitoterapia Chinesa em Pequim, pois, durante as práticas com mestres de Medicina Chinesa, pude aperfeiçoar e aprofundar muito na parte de diagnóstico. Minhas práticas de MTC não se limitaram apenas para pacientes chineses. Em 2014 eu tive a oportunidade de trabalhar como voluntário com Acupuntura e Fitoterapia Chinesa em clínicas, postos de saúde e templos em Mianmar, Índia e Nepal. Foram vários meses em cada um desses países que pude pôr em prática os conhecimentos adquiridos durante meus anos de vivência na China, onde tratei pacientes com sintomas e síndromes que nem mesmo na China eu havia presenciado. Foram nesses países que, chegando a tratar mais de 40 pacientes por dia, pude perceber minhas dificuldades e dúvidas sobre algumas doenças e tratamentos. E assim, quando retornei à China, tive oportunidade de esclarecer e discutir os casos clínicos com meus mestres em Pequim.

 

  • Para finalizar gostaria de agradecer o seu tempo com nossos leitores e gostaria de pedir que deixasse algumas palavras finais.

Eu agradeço a Revista Medicina Chinesa Brasil pela oportunidade de compartilhar um pouco da minha experiência na China. Eu espero que cada vez mais e mais brasileiros procurem aprofundar o conhecimento da Medicina Tradicional Chinesa e que possam incentivar e motivar outros profissionais a fazerem a busca contínua pelo aperfeiçoamento profissional.